RESENHA DO FILME QUERO SER JOHN MALKOVICH, DE SPIKE JONZE E CHARLIE KAUFMAN

Craig Schwartz, interpretado por John Cusack, é um titereiro (profissional que lida com marionetes) fracassado, casado com Lotte, uma mulher frustrada que trabalha em um petshop. Lotte é interpretada pela bela Cameron Diaz, que está irreconhecível com cabelos escuros e desgrenhados.

Craig arranja um emprego como arquivista em uma empresa no andar 7 ½ e lá conhece Maxine, vivida por Catherine Keener, então se apaixona, mas não é correspondido, certo dia durante o expediente, Craig acidentalmente descobre atrás de um pequeno armário uma passagem que leva para dentro da mente do famoso ator John Malkovich por 15 minutos, para em seguida ser jogado à margem de uma estrada.



Craig conta a novidade à Maxine, então os dois tornam-se sócios num rentável negócio onde todos que pagarem duzentos dólares poderão ser John Malkovich por 15 minutos. Lotte também fica sabendo do fenômeno e se torna viciada em ser Malkovich, é nestas experiências que ela descobre sua verdadeira essência e passa a disputar com o marido a afeição de Maxine.

O protagonista, com sua habilidade como titereiro, logo descobre uma maneira de assumir o controle do corpo de Malkovich, além da mente do ator, e decide se tornar o astro de Hollywood em tempo integral. É com este enredo insólito que o diretor Spike Jonze e o roteirista Charlie Kaufman iniciam sua bem sucedida parceria, que renderia ainda o ótimo Adaptação, com Nicholas Cage interpretando o próprio Kaufman e seu irmão gêmeo fictício.

Os personagens de Kaufman parecem viver em constante crise, seja depressiva, como em Sinédoque, Nova York, de identidade, como no filme analisado acima, de criatividade, como em Adaptação, há também a dificuldade de adaptação ao mundo civilizado, como em A Natureza Quase Humana. Há ainda os personagens que lutam, de forma poética, contra o esquecimento, no filme Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, que lhe rendeu um Oscar de roteiro original.

O roteiro do filme Confissões de uma Mente Perigosa não foi citado no parágrafo acima devido ao rancor de Kaufman contra George Clooney, o diretor do filme, que modificou seu texto sem consultar o autor.

Seus filmes, em geral, são categorizados como comédias, apesar da melancolia crônica de seus desiludidos protagonistas. Seria como se Woody Allen e seus neuróticos alter egos encontrassem com as bizarrices de um David Lynch. Kaufman é bizarro e insano, mas seus roteiros são engenhosos e bem urdidos. Dizem as más línguas que é Spike Jonze quem impede o roteirista de viajar excessivamente em seus delirantes enredos. Acusação esta que o roteirista sofreu ao dirigir seu primeiro filme, Sinédoque, Nova York, onde atingiu um grau de megalomania tamanho que poderia rivalizar com James Cameron ou Ridley Scott em sua obsessão por filmes e cenários grandiosos. Sinédoque foi o primeiro filme do artista que poderia ser claramente considerado um drama, pois possui momentos de intensidade emocional dignos de um Lars von Trier, ou de um Darren Aronofsky, dois dos cineastas mais pessimistas da atualidade. É um filme intimista, apesar dos momentos grandiloqüentes, com seus cenários imensos e sua enorme pretensão.

Se Charlie Kaufman é talentoso? Sim, com certeza. E ainda possui uma qualidade rara nos roteiristas da Hollywood contemporânea, não tem medo de arriscar, pois o risco é louvável em quem já tem seu lugar cativo na história do cinema. Teoricamente, uma posição onde a maioria das pessoas se acomodaria, mas não este inquieto artista. Sabe-se que Kaufman tem agendado um novo filme com Spike Jonze, onde os personagens centrais são um grupo de líderes mundiais que se reúnem em determinadas épocas para decidir o destino do globo terrestre, como o resultado de guerras e o preço do petróleo.

E há mais um projeto sob direção do próprio Kaufman, Frank or Francis, um musical sobre um crítico de cinema arrogante que conseguiu alguma notoriedade criticando de forma ácida a indústria do cinema e um cineasta pretensioso cujo filme se torna um fenômeno de indicações ao Oscar. Aguardemos pelo resultado.

Kaufman, ao se referir a suas influências já citou Kafka, óbvio, Samuel Beckett e Monty Python. Assim como seus ídolos: o escritor judeu checo, o dramaturgo irlandês e o grupo de comediantes ingleses, Kaufman parece ter adoração pelo nonsense e pelo inusitado, algo bem vindo em tempos de tanto lixo cultural, destinado a idiotizar as platéias ávidas pelo próximo filme que irá entorpecer seus sentidos e impedir que vejam a merda de mundo onde estão vivendo.


Por Roberto Eduardo

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